quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

TIA JOCÍLIA

No meio da noite, seu coração parou de bater. Aos 96 anos, Tia Jocília nos deixou. Uma morte tranquila, para uma vida tranquila. Espírita convicta, costumava dizer que sua religião tinha resposta para tudo. Quando via alguma criança prodígio, por exemplo, um menino que tocava violino incrivelmente bem, dizia que era lembrança de outras vidas. Quando via no noticiário uma morte por bala perdida, dizia simplesmente: bala perdida não existe. Já estava no destino daquela pessoa morrer assim. Éramos muito amigos. Como ela morava bem perto da minha casa, costumava visitá-la. Professora de piano exímia, gostava de fazer seus concertos particulares somente para a família. Achava um absurdo o enorme sucesso do funk, que para ela nunca foi música. Em sua estante, apenas clássicos como Beethoven, Bach, Mozart, além de grandes nomes da MPB. E havia, é claro, muitos livros sobre espiritismo como Alan Kardec, Chico Xavier e outros grandes mestres da doutrina, que ela fazia questão de me emprestar. Eu, com minha formação católica, aceitava, mas não me interessava por ler. Achei engraçado quando ela começou a dizer que nós tínhamos tanta afinidade que, com certeza, já teríamos sido namorados em outras vidas. Bom, os espíritas que me desculpem, mas eu jamais consegui me ver como amante da minha tia... Era uma boa pessoa, mas muito metódica e reservada. Foi casada durante muitos anos com o meu tio Juca que, por sinal, era primo de primeiro grau dela. Por isso, o casal nunca teve filhos. Aliás, a tia Jocília não gostava muito de crianças. A algazarra e a bagunça dos pequenos a perturbava. Na sua casa, tudo estava sempre no mesmo lugar e ela só ficava na sala quando recebia uma visita. A decoração era toda em estilo clássico, é claro. Ajudava de coração os parentes mais necessitados da família, porque conforme prega a doutrina devemos ser caridosos e assim nos elevarmos espiritualmente. Era uma pessoa do bem. Vai, tia Jocília. Se houver mesmo outras vidas, nos encontramos aqui na Terra. Se não, me espere no céu. Bjs!

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