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No meio da noite, seu coração parou de bater. Aos 96 anos, Tia
Jocília nos deixou. Uma morte tranquila, para uma vida tranquila. Espírita
convicta, costumava dizer que sua religião tinha resposta para tudo. Quando via
alguma criança prodígio, por exemplo, um menino que tocava violino
incrivelmente bem, dizia que era lembrança de outras vidas. Quando via no
noticiário uma morte por bala perdida, dizia simplesmente: bala perdida não
existe. Já estava no destino daquela pessoa morrer assim. Éramos muito amigos. Como ela
morava bem perto da minha casa, costumava visitá-la. Professora de piano
exímia, gostava de fazer seus concertos particulares somente para a família.
Achava um absurdo o enorme sucesso do funk, que para ela nunca foi música. Em
sua estante, apenas clássicos como Beethoven, Bach, Mozart, além de grandes
nomes da MPB. E havia, é claro, muitos livros sobre espiritismo como Alan
Kardec, Chico Xavier e outros grandes mestres da doutrina, que ela fazia
questão de me emprestar. Eu, com minha formação católica, aceitava, mas não me
interessava por ler. Achei engraçado quando ela começou a dizer que nós
tínhamos tanta afinidade que, com certeza, já teríamos sido namorados em outras
vidas. Bom, os espíritas que me desculpem, mas eu jamais consegui me ver como
amante da minha tia... Era uma boa pessoa, mas muito metódica e reservada. Foi
casada durante muitos anos com o meu tio Juca que, por sinal, era primo de
primeiro grau dela. Por isso, o casal nunca teve filhos. Aliás, a tia Jocília
não gostava muito de crianças. A algazarra e a bagunça dos pequenos a
perturbava. Na sua casa, tudo estava sempre no mesmo lugar e ela só ficava na
sala quando recebia uma visita. A decoração era toda em estilo clássico, é
claro. Ajudava de coração os parentes mais necessitados da família, porque
conforme prega a doutrina devemos ser caridosos e assim nos elevarmos
espiritualmente. Era uma pessoa do bem. Vai, tia Jocília. Se houver mesmo
outras vidas, nos encontramos aqui na Terra. Se não, me espere no céu. Bjs!
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