sábado, 16 de janeiro de 2021

O CHAMADO

Santinha era o nome que usava como garota de programa. Foi um cliente que a batizou assim, aproveitando a deixa de que essa linda morena se chamava Aparecida Santos. 

     Ela já estava com 36 anos e vivia essa dura vida de prazer desde os 20. Por conta da sua profissão, nunca teve um relacionamento sério com um homem, pois ninguém queria se envolver amorosamente com uma mulher que ganhava a vida fazendo sexo. No fundo, apesar de tantos colegas e amigas, se sentia muito só. Estava acostumada a uma vida boêmia, repleta de drinks e noitadas. Passava os dias inteiros dormindo e as madrugadas eram sempre excitantes.

     Um dia ela acordou diferente, muito indisposta. Tinha vômitos, náuseas e diarreia. Uma febre alta tirava dela todas as forças. Passou uma semana assim, dentro de casa, sem melhorar. Até que teve que procurar um médico. Ele logo pediu um exame HIV, por conta dos sintomas e do modo de vida da paciente.

     Santinha entrou em pânico. Estava desesperada com a possibilidade de ter contraído o vírus da Aids. Pensou nos amigos, nos casos que já tivera, na família que há muito tempo não via, nos clientes mais frequentes e no que havia feito de sua vida.

     O resultado do exame chegou em cinco dias. Nervosa, afobada, com as mãos trêmulas e o coração pulsante, ela rasgou o envelope. Ali estava escrito: Não reagente.

      A moça não cabia em si de tanta alegria. Leu e releu aquele abençoado resultado várias e várias vezes. Tinha vontade de abraçar o mundo, de pular, gritar e dançar, fazer qualquer coisa que confirmasse que ela estava viva. Nunca havia sentido um alívio tão grande. Sabia que havia recebido uma grande graça e rezou um terço, com muita fé e sinceridade.

     Na semana seguinte, já estava se sentindo bem melhor e, super animada, resolveu voltar a atender seus clientes. Mas, no momento do programa, Santinha teve uma forte e imprevisível sensação, e não conseguiu se despir. Havia mudado algo nela. Era como se tudo que havia vivido não fizesse mais sentido. Não queria estar ali, diante daquele cara nu, bêbado e lhe agarrando como se fosse propriedade dele. Teve nojo daquela situação. E simplesmente saiu do quarto correndo como uma louca, certa de que estava deixando para trás não só aquele cara, mas todos os seus clientes.

     Na manhã seguinte, apareceu na igreja. E rezou como nunca havia rezado. Chorou muito. Depois, mais tranquila, olhando para a imagem de Jesus, percebeu claramente que dali pra frente uma grande mudança iria acontecer em sua vida. Ela havia escutado o chamado. Era como se Deus estivesse lhe dando uma maravilhosa chance de ser feliz e buscar novos caminhos.

     Na mesma semana se mudou para um bairro distante e bloqueou o contato com seus antigos clientes. Acabou arrumando emprego como vendedora e, nas horas de folga, se dedicava a ações comunitárias.

      Entregava comida para menores de rua, lia para os cegos, visitava doentes em hospitais, ajudava creches e asilos, rezava diariamente.

     Ela havia finalmente encontrado a paz. E se tornado uma espécie de santa!

 

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