sábado, 31 de outubro de 2020

PRESO, ALGEMADO E FELIZ

 


De uma hora pra outra, a sua vida mudou completamente. Já não dispunha mais da liberdade de fazer o que bem quisesse, sem dar satisfação a ninguém.

     Era mesmo refém do seu novo amor. Logo ele, que se gabava que nenhuma mulher o prenderia, agora estava ansioso, grudado no celular, apenas esperando ouvir a voz da sua nova namorada.

     Já não jogava mais futebol com os amigos, não aparecia para um chopinho e pouco via as pessoas da família. Nos últimos meses tinha vivido exclusivamente para a Márcia.

     Pensava nela o dia inteiro. Sabia que havia se tornado dependente desta relação e não sabia como fugir disso. Era uma deliciosa prisão, na qual ele mesmo havia se algemado entre sonhos e fantasias tão envolventes, a ponto dessa paixão se tornar a sua única razão para viver.

     Mesmo quando estava só, ela estava com ele. As lembranças o acompanhavam no banho, na cama, no almoço, no trabalho. Haviam vivido muitos momentos gostosos e inesquecíveis. Sentia falta dos beijos apaixonados, dos abraços-surpresa, dos seios, da boca, do ventre. E também das incontáveis risadas. Nunca havia se divertido tanto na vida.

     Como não se prender a um amor assim? Estava feliz como nunca havia imaginado. Acordava alegre, dormia alegre. Se sentia animado, otimista, agradecido.

     Havia dado à Márcia as chaves da casa e também do seu coração. A senha do cartão de crédito. Até algumas de suas roupas já eram mais dela do que dele.

     Passavam o tempo todo juntos: de manhã, de tarde, de noite e, principalmente, de madrugada. Se viam de segunda a sexta, e nos fins de semana também.

     Ela havia invadido a sua intimidade, descoberto os seus segredos mais bem guardados. Ele se sentia como a ela pertencesse ou como fossem uma só pessoa: os planos eram os mesmos, os gostos eram os mesmos. A afinidade era total.

     Esqueceu-se do mundo lá fora para viver exclusivamente a sua doce prisão. Estava disposto a cumprir pena de felicidade pro resto da vida. Regime fechado na prisão perpétua do amor.

     Até que um dia ela lhe concedeu a liberdade. Foi embora, sem se importar com o quanto ele iria sofrer fora da prisão. Sim, ele estava livre de novo e não sabia mais o que fazer com suas horas: o mundo lá fora o assustava, já não sabia mais como se virar sozinho.

     Havia se acostumado a viver como um prisioneiro do amor. Afinal, ninguém sai indiferente ao viver a sentença de uma grande paixão. Precisava se amarrar a alguém imediatamente: o seu apartamento agora era uma cela vazia. E ele vivia ansioso, louco, pra se algemar a uma nova mulher.

     Descobriu que, ao experimentar o cativeiro de uma paixão, estava condenado a viver o amor como uma prisão, que o libertava da sua existência vazia.

     Sim, há paixões que nos aprisionam de uma determinada maneira que já não sabemos mais a delícia de viver só. Sem amarras.

     E o nosso amigo nunca mais foi o mesmo.

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